Minha amiga Elia me pergunta se a decisão de contratar o técnico Cuca trazia algo de fundamental importância para quem tomou a decisão (no caso, o presidente Duílio Monteiro Alves). De acordo com ela – até onde eu sei, não é especialista no esporte –, só isso explicaria a insistência em levar ao clube alguém com um passado ligado a um caso de estupro. Senão, seria só burrice… Eu disse à minha amiga que era burrice, mas esqueci de falar que há, no mundo do futebol profissional, a certeza da impunidade.
No caso da contratação do Cuca, entendi como se o presidente corintiano tivesse dito algo mais ou menos assim: “Somos um dos clubes mais importantes e temos uma das maiores torcidas do planeta. Vai haver protesto, mas eu chequei e não há nada com o que se preocupar, já que a pena prescreveu. E, tem mais: se começarmos a ganhar, as pessoas vão esquecer isso rapidamente”.
As pessoas não esqueceram – foram atrás de mais informações. E depois que elas surgiram pela matéria do jornal suíço Der Bund, pelo relatório médico forense (o sêmen do então jogador Cuca foi encontrado no corpo da então adolescente) e pela boca do advogado da vítima (Sandra Pfäffli), a versão contada pelo técnico em sua apresentação no Corinthians o afogou.
Ontem, ele pediu pra descer, alegando ter sido atingido em sua dignidade e usando a família como argumento para a retirada. Em nenhum momento se referiu à vítima real ou pediu desculpas. Nada. Depreendo então que a vítima é ele, acusado, julgado e condenado injustamente pela justiça suíça.
Mas o que me chamou bastante atenção na dramática classificação de ontem sobre o Remo foi a corrida entusiasmada dos jogadores do Corinthians para abraçar Cuca, ao final da partida. Em outras palavras, eles estavam dizendo “estamos com você, professor!”. E o atacante Roger Guedes foi além. Disse que a imprensa o condenou “sem provas” e citou nominalmente a jornalista Ana Thaís Matos, do Grupo Globo. Curioso, vários jornalistas homens criticaram a contratação de Cuca (alguns, com muito mais veemência do que a Ana), mas o jogador do Corinthians direcionou seus ataques apenas a uma mulher…
Será que esses caras ainda não perceberam que o mundo mudou? Provavelmente, não, mesmo porque, ontem, milhares de torcedores também só queriam saber da classificação da equipe para as oitavas da Copa do Brasil – “o assunto Cuca é outra coisa”. Não, não é. Ignorar o crime ocorrido há 36 anos quando um dos condenados estava ali, no mesmo ambiente e a poucos metros, no comando do time, é ser omisso – pra dizer o mínimo. Me deu até a impressão de que a vitória em campo era o triunfo das cavernas sobre a necessidade de transformação da sociedade…
É por isso que eu digo, Elia: foi burrice, mas foi fundamentalmente soberba e uma demonstração de resistência às mudanças de um mundo que luta por não querer mais conviver com crimes e falcatruas. Estender faixas, fazer discurso e criar slogans de apoio “às minas” não basta – esses machos têm de provar que suas ações são genuínas. E alimentar o respeito por qualquer outro ser humano. Seja ele mulher, trans, lésbica, gay. Ah! E, antes de encerrar, “as minas venceram!”