ELA, ELES E TODOS NÓS

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Taninha, o livro que você fez com su mamá é lindo. Em vários momentos, espetacular. Sabe por quê? Porque vejo Marina enfrentando os próprios fantasmas, ao mesmo tempo em que tenta se agarrar à beleza dos detalhes de um cotidiano complexo e simples.

Ao longo do livro, pude perceber seu cuidado em não interferir tanto nos sentimentos da Marina. Deve ter sido muito difícil, exercício afetivo-emocional tingido de ofício de escritor.

Veja isso que você escreveu sobre sua avó: “Olhos fixos em algum lugar do passado, deixou escorrer as lágrimas que sempre reprimiu. Desistiu dos compromissos e das responsabilidades. Abandonou as panelas, cúmplices desde sempre. Xingou a vida, desculpou-se diante dos deuses, pediu a morte”. Puta que pariu, Taninha, isso é muito bom!

Agora, a poesia potente de su mamá:

“O tempo passou. Quase dez anos sem nenhuma internação. Os três formavam um conjunto emocional, autônomo. Como explicar? Não precisaram de mim, não me quiseram. Vê-los curados, saudáveis e felizes era o meu objetivo. Mas a vida quis diferente, eles quiseram diferente. Construíram um ninho sem a minha participação. Giraram em uma órbita própria, com brilho peculiar. Ainda que desafinado, o equilíbrio aparentava certa harmonia”.

“Entre cuidados e visitas lamentei por você, meu príncipe submarino. Chorei por todos nós. Nas minhas lembranças estamos sempre subindo a ladeira da estação de trem, nos domingos de manhã. Papai está de chapéu e segura as nossas mãos. Sentimos o cheiro dos trens estacionados e dos chocolates que vamos comer”.

Eu também senti o cheiro dos trens. As lembranças da infância são poderosíssimas, Tania. Vejo todas as cenas.

“Desacelerar ou diminuir o ritmo é acreditar que se está novamente no compasso dos ‘outros’. Essa é a medida de comparação: os outros.”

Pura verdade, Taninha… Os “outros” nos atormentam, nos amam, nos abandonam, nos criticam e nos isolam. E sofremos porque não somos os outros – somos nós.

“O resultado de tanto delírio foi que me senti muito próxima de meus irmãos e de minha mãe. Um dia entrei no apartamento deles e anunciei que não internaria mais ninguém. Foi a única revolução alucinada de toda essa doideira que deu certo”.

“Vi o lampejo de tristeza, medo e defesa em muitos olhares. Educada para a discrição, expus segredos e invadi privacidades”.

“O temor nunca faz par com a euforia. Andam sempre separados”.

A dor

“Os que apenas observam esses surtos não têm a obrigação de entender a música dissonante da mente fragmentada de um ser humano. Se a nota mais alta fere alguma sensibilidade , o outro tapa os ouvidos para se defender. E sofre. Não consegue se distanciar e decompor o tom até chegar nas partículas de dor, ódio e afeto”.

E tem mais, muito mais…

Taninha, esse livro, escrito por você e sua mãe, é uma das coisas mais bonitas, sensíveis e viscerais que já li na vida. É uma catarse familiar, eu sei. E é um rasgar o peito que nos dilacera a cada imagem descrita. Foda.

As ilustrações são leves e precisas. Em alguns momentos, parece até que a Vanja conviveu com a Marina, os irmãos, pai e mãe.

Parabéns, meu amor de uma vida inteira.

Su mamá foi uma poeta da pesada. Começou com o amor pelas palavras e terminou com uma conversa franca e liberta com a vida. Guerreira, resistente, deve ter sofrido bastante com tamanha sensibilidade.

Obrigado por “Ela, Eles e Todos Nós” – me alimentou e vai me alimentar ainda por um bom tempo. Beijo ⛵

(Publicado originalmente no Facebook, em dezembro/2022)

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