ZÉ CARIOCA SE PERDE EM PARIS

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Meu irmão Paulo Freire, que costuma atravessar a vida das pessoas com sua viola, me contou ter ficado emocionado ao visitar o Stade de France, nos arredores de Paris, em 2016. Acompanhado do filho Augusto, herdeiro da doçura e sensibilidade dos pais (Ana é a mãe), assistiu à vitória da França sobre a Bulgária (4×1), pelas eliminatórias da Copa de 2018.

Na hora do hino francês, o Paulinho se emocionou e algumas lágrimas escorreram pelo rosto. O filho perguntou “pai, posso filmar o hino?” E registrou o mar de bandeiras e a emoção crescente a percorrer o lugar. A letra é belicosa, mas ele me contava sobre a força da melodia e o peso da garganta impresso pelos franceses dentro daquele estádio espetacular. Sei bem, cantam como se a Seleção fosse o próprio país e este rumasse para a guerra.

O relato me fez lembrar a final da Copa de 98, entre Brasil e França. Naquele dia me preparei para celebrar o quinto título mundial. A França não era tudo isso, e na verdade havia chegado lá depois de viver um sufoco contra os paraguaios logo nas oitavas-de-final. Bateram o time comandado por Carpeggianni, Chilavert e Gamarra só no 2º tempo da prorrogação – e com o cardíaco gol de ouro. Depois pegou a Itália e o jogo terminou 0x0, com mais uma prorrogação. Os franceses só foram ganhar nos pênaltis.

Na semifinal tudo me levava a acreditar que enfim os donos da casa seriam eliminados. O adversário era a fortíssima Croácia do artilheiro Suker. E foi ele quem abriu o placar, no início do 2º tempo. Mas naquele dia os franceses jogaram muita bola – especialmente Thuram e Zidane. E, numa virada espetacular, a França eliminou a Croácia e se classificou para a final contra o Brasil. Então, na verdade, os franceses jogaram bola só nesse jogo… Por isso e porque o Brasil mostrava estar com sorte, eu acreditava na vitória da Seleção.

Mas no dia da final aconteceram os problemas com Ronaldo – até hoje mal explicados. Depois do almoço ele foi descansar e passou mal. Os jogadores que o viram com a língua enrolada e se contorcendo acharam que ele fosse morrer. Foi levado a uma clínica, fez uma bateria de exames e nada de anormal foi constatado. À noite, todos os jogadores seguiram apreensivos para o estádio, e Zagallo escalou Edmundo no lugar do Fenômeno. Quando todos já estavam trocados e aquecidos no vestiário, Ronaldo apareceu. Ansioso, disse a Zagallo que queria jogar. E o atônito técnico da Seleção não soube como dizer “não” ao jogador mais badalado do planeta na época.

Os jogadores brasileiros se dividiram entre os que o queriam em campo e aqueles que achavam isso uma temeridade. Houve discussão. E entraram de mãos dadas para tentar passar um sentimento de união que não tinha liga. Edmundo se revoltou por dentro, pois sabia ter perdido a partida da sua vida. E, como um touro aprisionado, sentou-se no banco de reservas.

Quando as duas seleções entraram em campo, a energia que tomava conta da torcida francesa só cresceu. E chegou ao ápice no momento em que foi tocado o hino da França, com as equipes perfiladas. À medida que o hino se desenrolava, ia aumentando o frisson, e a força que alimentava o ar do Stade de France atravessou o peito de todos os jogadores da Seleção Francesa, ligando-os definitiva e profundamente à plateia.

Ao ver os jogadores entoando a “Marselhesa”, sufocados pelo canto apaixonado e feroz de quem estava nas arquibancadas, senti uma insegurança inexplicável. De repente, fiquei com receio daquele time de camisas azuis. E o “Oui!” gritado pelo técnico Aimé Jacquet ao final da execução do hino soou ameaçador – ele parecia muito seguro de si mesmo. De qualquer maneira, pensei, temos Ronaldo. A bola rolou e em pouco tempo o Brasil já perdia por 2×0, dois gols de cabeça de Zidane, um gênio de origem argelina, craque deslumbrante que não fazia gols de cabeça. Só naquele jogo já havia marcado dois – um de cada lado. A Seleção Brasileira estava paralisada, e seu maior jogador anestesiado, dando trombada, desconectado do futebol. O tempo passou, a França reinou em campo e o Brasil dançou ao som da Marselhesa. Edmundo ainda foi enviado ao gramado faltando 15 minutos para terminar. Entrou com duzentos tambores no peito, disposto a virar o jogo sozinho, mas foi derrotado pela inércia brasileira e pela solidez francesa. O Brasil levaria o terceiro gol, no finalzinho. E a Marselhesa pôde ser entoada mais uma vez – linda, dócil, inexoravelmente vitoriosa.

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