A FELICIDADE

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O Emir, Messi e Infantino, presidente da FIFA Foto: Visionhaus/Getty Images

Gianni Infantino, presidente da FIFA, a Federação Internacional das Falcatruas Astronômicas, está muito feliz. A entidade que dirige faturou 7 bilhões e meio de dólares e gastou 6 bi e meio, entre as Copas da Rússia (2018) e do Catar (2022). Lucrou, portanto, 1 bilhão de dólares, o que dá mais ou menos 5 bi e 300 milhões de reais no câmbio de hoje.

Eu não consigo dimensionar essa dinheirama – você consegue? Mas é a partir desses números que a gente começa a entender por que Infantino não queria problemas, nem denúncias, muito menos protestos durante a Copa do Mundo que terminou ontem e começou com a ameaça de sete seleções de usar a tarja “One Love” (em tradução livre, “um só amor”) nas braçadeiras de capitão. O protesto visava atingir o governo do Catar, que viola seguidamente os direitos humanos, persegue e prende homossexuais. Diante da firmeza dessas seleções (especialmente a inglesa), a FIFA encontrou uma saída, dias antes de a competição ter início: quem entrasse em campo com a tarja, de cara, receberia cartão amarelo. Golpe baixo.

Numa entrevista coletiva, Infantino disse que o Catar era ótimo, não havia qualquer problema, mesmo porque seus comandantes estavam cumprindo tudo o que haviam acordado. Ao seu lado, Bryan Swanson, diretor de relações com a mídia, afirmou que, como gay, se sentia muito à vontade no país.

Assim que a Copa começou, atletas e torcedores deram um jeito de se manifestar. Contra o racismo, os jogadores ingleses se ajoelharam antes das partidas. Os alemães se juntaram aos mesmos ingleses e tamparam a boca em protesto contra a proibição do uso da braçadeira “One Love”. Os atletas do Irã não cantaram o hino do país e torcedoras mulheres foram censuradas pela polícia catari por usar camisetas com a foto de Mahsa Amini, jovem iraniana presa pela “polícia da moralidade” (?) e morta enquanto estava sob custódia do estado iraniano. Um torcedor americano foi retirado do estádio por usar uma braçadeira com as cores da bandeira LGBTQIA+. Outro torcedor, italiano, invadiu o gramado empunhando uma bandeira LGBTQIA+ e vestindo uma camiseta em apoio às mulheres do Irã e da Ucrânia. Os atletas dinamarqueses jogaram com uma camiseta em que o escudo da federação era transparente, em protesto contra a violação dos direitos humanos no Catar. E, na última semana de disputa, explodiu a notícia de que Amir Nasr-Azadani, jogador iraniano, fora condenado à morte por enforcamento, por participar das manifestações em apoio aos direitos das mulheres no país dos aiatolás que vivem na Idade Média.

O problema (e a FIFA sempre contará com isso) é que, assim que a bola rola e as seleções mais fracas vão ficando pelo caminho, o futebol toma conta. Protestar e se manter firme fica chato, parece algo fora de hora e de lugar. Os craques e os grandes protagonistas surgem no telão e sacodem a emoção dos torcedores nos estádios e em nosso sofá. Ficamos em transe e passamos a discutir sobre os erros, os acertos e as jogadas maravilhosas dentro de campo. De repente, nos transformamos nos técnicos mais competentes que ainda não foram descobertos. E é assim mesmo.

A despeito das falcatruas e das negociatas entre quem organizou a Copa e quem manda nos mundiais, fica um saldo “positivo”: mesmo proibidas, as manifestações ocorreram, e as violações em alguns países ficaram expostas. Dentro de campo, vários jogadores nos brindaram com um espetáculo memorável. Só lamento que Messi, esse gênio com a bola nos pés, não tenha se importado em vestir o “bisht”, manto de seda preta com linhas finas em dourado, só usado por líderes religiosos e governamentais do Catar, ao receber a merecida taça de campeão do mundo. O camisa 10 argentino estava muito feliz. Infantino também.

(PUBLICADO EM 19/12/2022)

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