Escrevi “Wladimir – O Capitão da Democracia Corinthiana”, livro sobre a história profissional do ex-jogador Wladimir. Entre 1978 e 84, a atuação política do atleta ganhou força e ocupou um papel importante em sua trajetória. Luís Inácio da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e candidato a governador de São Paulo em 1982, surgiu naturalmente na narrativa – havia uma convergência de ideias e de propósitos, que se aprofundou com o surgimento da Democracia Corinthiana e culminou com o movimento pelas Diretas, no 1º semestre de 1984.
Era natural que eu quisesse dar um livro ao Lula, embora soubesse ser difícil – ele estava em plena campanha presidencial. Tentei um caminho, não deu. Aguardei mais um pouco e, afinal, achei a brecha: o encontro com os esportistas, organizado pelo grupo “Esporte pela Democracia”, do qual faço parte. Foi no Hotel Grand Mercure, em São Paulo, no dia 27 de setembro – portanto, cinco dias antes do 1º turno das eleições presidenciais.
A partir de agora, converso com o exemplar que viveu um périplo antes de parar nas mãos do Lula.
No hall de entrada para a grande sala de reunião, encontro várias pessoas ligadas ao esporte e revejo algumas com quem trabalhei no século passado. Então vêm fotos, abraços, e elas começam a perguntar sobre você, acomodado junto de um irmão seu, dentro da sacola de papel craft. Tiro você lá de dentro e o entrego a uma delas, e você começa a percorrer um caminho inseguro, de mão em mão, sem saber onde isso vai dar. Elas elogiam, te percorrem e fazem perguntas sobre seu nascimento e amadurecimento. Fico feliz.
Encontro Victor, filho do querido Osmar, e entrego a ele um irmão seu. Victor, emocionado com tudo o que está acontecendo ao redor, me agradece com um abraço caloroso. E guarda seu irmão. Em seguida, entramos todos na grande sala onde será realizado o encontro.
Minutos depois, Lula chega, acompanhado do pessoal do partido, dos seguranças e da Janja, sua companheira. Os convidados são acomodados na primeira fila, diante da mesa onde se encontram os oradores. Eu me sento na segunda fila, na ponta, logo atrás do Luís Cláudio, filho do Lula.
Então, com você já em meu colo, o mestre de cerimônias Edinho Silva faz a introdução e chama o primeiro orador, Adilson Monteiro Alves. Ele se levanta e começa a falar. Cita a Democracia Corinthiana, e entendo que seria fantástico se você já estivesse com o Lula, assim, ele já poderia te folhear, namorar, porque você ficou lindo! O pessoal da “Letras do Pensamento” te deixou maravilhoso, com uma diagramação impecável e uma qualidade incrível.
Depois do Adilson vem a Isabel, do vôlei, eterna musa, cabeça arejada, muito inteligente e fundamental. Enquanto a plateia a aplaude, matuto sobre o melhor momento de entregá-lo ao ex-presidente. Então vem o Casão, o primeiro a citar nominalmente Sócrates, Juninho e Wladimir, cuja foto maravilhosa tirada pelo Ronaldo Kotscho te carimba bem na capa. Pensei “é agora”. Mas alguns fotógrafos estavam bloqueando a passagem por onde eu poderia chegar rapidamente à mesa. Esperei um pouco, o Casão levantou a plateia com sua fala, e o microfone voltou para o Edinho.
De repente houve uma movimentação dos fotógrafos, e uma brecha generosa se abriu para a nossa gloriosa passagem. Quase engatinhando e com você bem seguro em minha mão, cheguei à mesa. Lula estava olhando para o orador. Toquei sua mão, ele olhou, e eu disse, te apontando: “É pra você! Você vai gostar”. E voltei ao meu lugar, feliz por termos nos separado – tudo o que um escritor ou poeta quer é ver sua cria na mão, no cérebro ou no coração dos outros. Ciúme zero.
Lula te folheou, leu a dedicatória e te fechou. Voltou sua atenção para o discurso seguinte. De vez em quando, te olhava e te abria, parecia curioso (a dedicatória dizia que ele fazia parte daquela história). Então Edinho lembrou a campanha das Diretas e a participação da Democracia Corinthiana. Citou o Osmar (“a voz das Diretas”) e Wladimir – ambos estavam na primeira fila. Foi aí que Lula te pegou e o entregou ao Edinho, que, te balançando no ar, bradou “Olha o livro do Wladimir, quem quiser comprar tá aqui!”. Meu Deus, não havia nenhum outro irmão seu disponível, mas confesso que adorei a cena. Lula riu, você voltou pro seu lugar (sobre a mesa, à frente dele), e as falas prosseguiram.
Um pouco depois chegou a vez da Gleisi Hoffmann falar. Ela se levantou e pimba!, esbarrou numa taça… A água correu pela mesa, molhou o celular dela, as anotações do Lula e… você! A cena seguinte foi Lula se levantando, sacodindo a folha com as anotações e, na sequência, te enxugando com guardanapos de papel. Fiquei preocupado com sua saúde.
Gleise falou, não molhou mais nada, e Lula encerrou os discursos. Edinho fechou o encontro, e a Janja tratou de colocar o celular dela em cima de você, numa demonstração de que ali tinha dono. Você deve ter se sentido seguro.
Mas então começaram as fotos, muita gente se aproximou do Lula, e ele saiu da mesa, assim como a própria Janja. Fui até lá, passei por trás de todos e garanti que ninguém mexesse contigo. Mas alguém apareceu, veio um abraço feliz de quem não se via há muito tempo, e um bolo de gente se formou ali. Não te vi mais.
Dez minutos mais tarde, surge na minha frente, esbaforido, com cara de assustado, o amigo que estava com o Wladimir, a pessoa. E diz pra mim: “O Wladimir deu o livro do Lula pro pessoal da Camisa 12…” Tomei um susto, perguntei “o quê? Como assim?!”. O amigo explicou: “Peguei o livro pro Wla tirar uma foto com o Lula e, quando fui devolver, o Lula disse ‘não, esse aí não é meu; o meu tá guardado!’. Os caras da Camisa 12 viram e falaram pro Wla ‘então, dá esse aí pra gente, Wladimir’. O Wla pegou e, na hora, fez uma dedicatória pra eles na contracapa. E levaram o livro embora”. Olhei pros dois e soltei “porra, que puta cagada!”.
Fomos atrás do pessoal da Camisa 12, que já tinha sumido. Com a ajuda do tranquilo Minduim (eu o conheci naquele momento), você foi resgatado – os caras ainda estavam no hotel, lá embaixo, já perto da saída. Te peguei, enquanto o Wladimir buscava uma caneta pra fazer uma dedicatória pro Lula. Quando olhei, a porta onde estava o candidato se abriu e ele foi saindo de lá no meio da confusão, entre vários agentes da PF, Janja e um pessoal do partido.
Não sei como, entrei no bolo e, de frente pro Lula, olhando firme pra ele e te segurando com as duas mãos, eu disse “este livro é seu!”. Ele estava puto com alguma coisa (será que alguém lá dentro o comunicou de que você havia sumido?), te segurou e disse alto “eu quero o meu que tá autografado, porra!”. E saiu no meio daquele monte de gente, todo mundo tenso, e ele agarrado a você.
Pronto, eu já podia ir embora tranquilo. E você já tem mais histórias pra contar do que todos os teus irmãos.