Minha vida foi uma até eu atravessar o mar. Porque, na verdade, eu era um até subir no veleiro de madeira de 20 metros. Depois de um mês no Atlântico, eu era um outro.
A travessia me fez ver meu tamanho. Os veleiros me desafiavam o tempo todo e podiam ser cruéis, caso eu não estivesse devidamente atento. Viviam me mostrando que a vida baseada em papéis não tinha tanto valor, e isso comprovei em inúmeras situações – eu vivia num veleiro. Velejar, me diziam, é despir a alma de todos os escudos e receios, é viver a vida sem medo de morrer.
Parei de velejar há décadas, mas o cheiro de verniz, o barulho do molinete, o ventar nas velas retesadas e a água como chão ficaram em mim de muitas maneiras. A travessia, então, se apresenta a todo instante – são cenas da vida em que a metáfora ruge forte e somos capazes de prosseguir.
Quer conduzir seu barco na escuridão? Então escute o mar. E converse com seus guias.
Já não me aflijo com as imensas dificuldades eventuais – lições de uma maturidade forjada também nos barcos. Haverá noites em que o céu estará tão forrado de meteoros, cometas e estrelas que viver terá sido um sonho de prata. E, no dia seguinte, toda a luz do sol nos fará acreditar que estamos enxergando tudo, quando, na realidade, “tudo” foi visto e absorvido na noite em que o dia existiu.
A solidão que sentimos no íntimo é realçada pelos veleiros. O silêncio que eles nos proporcionam nos arremessa à essência do que somos. E, por isso, seguimos navegando.
Pro Jó